Os olhos fecham uma, duas, três vezes... querendo manter-se fechados cada vez mais tempo. A boca abre, inspira, expira, fecha. A luz apaga-se, os cobertores tapam o corpo e pouco tempo depois adormeço. Adeus, até amanhã? Nem pensar.
Agora é que o espetáculo acontece. Durante 11 horas de sono entraram e saíram personagens de cena, em três peças distintas. É o teatro mais puro e verdadeiro de todos, em que se a peça está em cena é porque tu queres que esteja, afecte-te isso positiva ou negativamente.
O desenrolar da história pode não ter nexo algum, mas tu compreendes o seu significado. É arte. Na arte não interessa fazer sentido ou não, mas sim o simbolismo em si.
O cenário pode ser pobre ou não. Neste caso era. É porque o local não interessa, apenas a personagem que nele se encontra. Estão lá rostos. São meros figurantes, também não interessam. É como tudo na vida, há pessoas que estão lá, mas não sabes bem porquê.
Vejo a primeira personagem entrar em cena. Reconheço-a. É sangue do meu sangue, como poderia eu não reconhecê-la? Está igualzinho a sempre. Veio visitar-me, e só eu consigo vê-lo. Os figurantes não acreditam em mim, mas é-me indiferente. Eu vejo-o e estou a abraçá-lo, e nada me faz mais feliz como isso. A peça demora algum tempo, mas a imagem não muda.
Tu és o realizador da tua própria história e personagem principal em simultâneo. Quando estás em cena pode acontecer não saberes se aquilo que estás a viver é real ou fictício. Foi o que me aconteceu. Aquilo para mim era real, embora impossível.
Disse que vinha visitar-me mais vezes. Sem saber como ou porquê, a peça mudou.
Esta parece tão real, tão real, que podia ser verdade. Desta vez o realizador decidiu por em cena o medo. Não o vejo, mas ele está lá. É uma cena banal do quotidiano, em que me chateio com a pessoa que faz este coração bater mais depressa.
Durante estas horas há pormenores que se esquecem. Tanto podem voltar com o passar do tempo como perder-se para sempre. O realizador pode mesmo alterá-los, quando está consciente, passando a acreditar que as coisas aconteceram mesmo daquela maneira.
O corpo adormecido desperta em sobressalto. Abre os olhos, vê as horas. Não se lembra de nada por instantes. Não faz mal, minutos depois a actividade cerebral consciente começa a relembrar-se do que produziu inconscientemente. E também de forma inconsciente ou não, os olhos enchem-se de lágrimas. O primeiro sonho não foi real, aquela pessoa não esteve comigo e o coração sente um aperto.
De repente recordo-me das peças seguintes, as "secundárias". Sorrio e penso "Sou tão parva".
A verdade é que desta vez o insconsciente ganhou ao consciente. Por baixo dos meus olhos encontram-se fundos buracos negros, embora tenha dormido mais esta noite do que nas duas últimas que passaram. Parece que a Segunda Guerra Mundial passou pela minha cama. E (mesmo sendo este o meu último dia de férias) nem me apetece ir ver como está o mundo lá fora.
Enfim, podemos enganar-nos a nós próprios de dia, podemos fingir que isto ou aquilo não nos afecta. Mas o nosso inconsciente não se engana. Se aquilo que sonhámos não faz sentido, é porque ainda não lhe descobrimos um.